
Artella e o novo modo de criar animação
La Noria nasceu na Artella, uma plataforma que revolucionou a animação independente ao permitir a colaboração entre artistas de todo o mundo. Funcionando como um “estúdio virtual”, ela reuniu mais de cem profissionais de vinte países, conectados por uma rede que integrava modelagem, animação, som e edição de forma remota. Sob a direção do espanhol Carlos Baena, ex-Pixar, o projeto provou que um curta autoral podia alcançar qualidade de cinema mesmo fora dos grandes estúdios. Essa experiência coletiva deu à obra um visual refinado e uma profundidade emocional rara na animação digital.
Enredo e essência emocional

A história acompanha um menino solitário que constrói uma roda-gigante em miniatura, lembrança de momentos com o pai ausente. Em meio à melancolia da casa silenciosa, criaturas sombrias começam a surgir. O que parece um pesadelo se revela uma jornada interna: ao enfrentar seus medos, o menino descobre que por trás do horror há lembranças e sentimentos que ainda precisam ser aceitos. O curta fala de luto, medo e reconciliação, sem uma única palavra — apenas com imagem e música.
Análise visual e simbólica
A fotografia é de tons frios e contrastes fortes. A casa, envolta em sombras, simboliza o interior do protagonista — um espaço mental tomado pelo medo. O uso da luz cresce conforme o menino aceita suas emoções, até culminar em um brilho quente, representando a compreensão e o afeto recuperado.
O design das criaturas mistura o grotesco e o trágico, com corpos fragmentados e olhos luminosos, reflexo visual da dor que assombra o menino. O movimento circular da roda-gigante, repetido em vários enquadramentos, remete ao ciclo da vida e à própria natureza do luto — o retorno constante às memórias.
Os enquadramentos são cinematográficos, explorando ângulos baixos, corredores estreitos e a sensação de confinamento psicológico. À medida que o personagem se aproxima da verdade emocional, os planos se abrem, simbolizando libertação.
A trilha sonora minimalista acompanha o arco emocional sem recorrer a sustos fáceis: o terror vem do silêncio, dos ruídos do vento e da respiração — o som interno da solidão.
O horror em La Noria não existe para assustar, mas para revelar. Cada sombra representa o que foi reprimido; cada monstro, um fragmento do que o menino precisa aceitar. A roda que ele constrói é o elo com o pai, a metáfora do tempo e da lembrança. Quando a enfrenta, ele não destrói os monstros — os reconhece. É um filme sobre transformar o medo em memória, a dor em ternura.
Com sua técnica impecável e alma poética, La Noria é uma das obras mais expressivas da animação independente contemporânea. Unindo o melhor da tecnologia 3D à sensibilidade do cinema autoral, Carlos Baena constrói um conto visual sobre o poder da lembrança, da perda e da reconciliação.
Mais que um exercício de horror, é uma história sobre humanidade — e sobre como a arte, mesmo nas sombras, pode iluminar o que há de mais profundo em nós.
Direção: Carlos Baena
Produção: Artella (plataforma colaborativa internacional)
País: Produção independente global (EUA/Espanha)
Ano: 2018
Duração: 12 min
