
Quando dava aulas de roteiro na Animação UFSC a Jornada do Herói era meu processo favorito, existem outros, mas gosto particularmente desse, tecnicamente deveria levar a roteiros muito iguais, mas a margem de manobra é enorme, inesgotável.

Estou terminando a primeira HQ de uma série que vai ser longa e assim o primeiro ato de Terroristas do Tempo estrutura-se como a fundação da jornada — o momento em que o herói ainda desconhece o peso de seu papel na ruptura do tempo. Aqui, o universo narrativo se estabelece entre dois extremos: o passado e o futuro, a inocência e o destino, o homem e a máquina. Você pode conferir aqui: https://clovisgeyer.art/terroristas-do-tempo/
1. O Mundo Comum – O homem no passado
A história se abre no tempo anterior à catástrofe temporal. O protagonista vive num mundo reconhecível, feito de rotinas, crenças e limitações humanas. Ele não é ainda o “terrorista do tempo”, mas apenas alguém imerso em sua própria linha cronológica — parte de uma história que acredita imutável.
O passado, aqui, não é apenas cenário: é metáfora da estabilidade, da ilusão de continuidade. Tudo ainda parece obedecer às leis conhecidas, e o herói se movimenta com o peso das tradições, dos erros e da culpa que o tempo não apagou.
2. O Chamado à Aventura – A abdução para o futuro
O chamado rompe a lógica do mundo comum com brutalidade.
A abdução — esse salto involuntário para o futuro — é o instante simbólico em que o herói é arrancado de seu eixo.
Não há convite, apenas deslocamento; não há escolha, apenas vertigem.
Esse transporte físico e existencial o lança num tempo que ele não compreende, onde o passado é ruína e o futuro é laboratório. A partir daqui, o tempo deixa de ser linha e se torna espiral.

3. A Recusa do Chamado – O monitor e o peso do destino
No novo mundo, a recusa surge na forma de negação interior.
O monitor, que lhe comunica a função de “herói”, é a voz que o convoca à missão — mas também o espelho de sua resistência.
Ele não aceita a ideia de ser um salvador, tampouco compreende a dimensão de seu papel. Essa recusa não é covardia: é humanidade.
O herói, confrontado com a expectativa messiânica, duvida, teme, e busca uma saída que o devolva à sua antiga realidade. É o último gesto de quem ainda acredita poder permanecer fora do conflito.
4. O Encontro com o Mentor – O Velho

A jornada do herói só se completa quando surge o mentor — aquele que possui o conhecimento perdido.
O encontro com o Velho marca o fecho do primeiro ato e o verdadeiro início da transformação.
Ele representa o elo entre tempos, o portador da sabedoria que transcende as eras.
É por meio dele que o protagonista começa a compreender a natureza da guerra temporal, as motivações ocultas e a dimensão moral de seu papel.
O Velho não dá respostas, mas desperta a consciência — e é isso que o separa definitivamente do mundo comum.
A partir desse encontro, o herói não poderá mais retornar: está destinado a atravessar o tempo e a si mesmo.
Síntese
Encerrando esse primeiro ato, Terroristas do Tempo completa o arco clássico da travessia do limiar.
O herói já deixou para trás o conforto do passado e encara a vastidão de um futuro onde o tempo é uma arma.
O segundo ato — a descida ao labirinto temporal — prepara-se, mas o primeiro já cumpre seu papel essencial: mostrar que todo herói nasce do deslocamento, e que toda jornada começa quando o tempo se parte.
Assim teríamos como os Arquétipos da Jornada do Herói:


Herói- é aquele que se sacrifica por um bem coletivo, aqui a função cabe ao Phoenix.
Mentor – É a figura mais experiente que motiva ou fornece as ferramentas para o Herói, o Velho, que nunca morreu assume esse papel.
Guardião do Limiar – Personagem que impedem a entrada do herói na jornada. Nesse caso o monitor, embora seja o seu tutor no futuro, é parte da reação contrária de Phoenix em participar da aventura.
Arauto – aqui quem assume esse papel também é o Mentor, o Velho
Camaleão – é o personagem que aparece no fim da primeira parte, os sonhos tanto do velho quanto do Phoenix, uma personagem dúbia que ninguém sabe quem é, mas será constante durante a jornada.
Sombra – não aparece nesse primeiro episódio, mas são os terroristas temporais que irão assombrar o futuro do mundo interferindo no passado.
Pícaro – Esse personagem tecnicamente é uma figura cômica para aliviar as pressões, mas aqui cabe a Libra, a companheira de aventuras de Phoenix servir na função de aliviar as tenções que se apresentarem.

O Camaleão, personagem constante na história e que será sempre um mistério
As etapas completas da Jornada do Herói
| Estágio da Jornada | Função Narrativa | Cenas em Terroristas do Tempo |
|---|---|---|
| 1. Mundo Comum | Introdução ao protagonista e seu cotidiano | O herói no passado, vivendo rotinas normais, desconhecendo o futuro caos temporal |
| 2. Chamado à Aventura | Rompimento da rotina, convite à jornada | Abduzido para o futuro; o mundo que ele conhece desaparece |
| 3. Recusa do Chamado | Hesitação, medo ou negação | O monitor explica sua função de “herói”; ele resiste, não quer aceitar a missão |
| 4. Encontro com o Mentor | Recebe orientação, ferramentas ou conhecimento | O Velho apresenta o conhecimento sobre o tempo e o papel do protagonista |
| 5. Travessia do Limiar | Entrada definitiva no mundo extraordinário | O herói deixa o passado para trás, iniciando sua verdadeira jornada |
| 6. Testes, Aliados e Inimigos | Aprendizado, formação de relações e obstáculos | Explora habilidades temporais; encontra aliados e inimigos; enfrenta pequenos paradoxos |
| 7. Aproximação da Caverna Oculta | Conflitos internos e preparação para o clímax | Descobre o grande perigo ou objetivo temporal; conflitos éticos e traições surgem |
| 8. Provação Suprema | Confronto intenso que testa limites | Conflito direto com antagonista ou consequências de suas ações; decisão crítica |
| 9. Recompensa | Recebe conhecimento, poder ou artefato | Obtem orientação, artefato ou entendimento que será essencial para o ato final |
| 10. Caminho de Volta | Retorno ou aproximação do clímax | Avança para o confronto final, superando obstáculos restantes |
| 11. Ressurreição | Transformação máxima do herói | Confronto final; sacrifica algo ou altera eventos críticos; domínio do tempo e consciência plena |
| 12. Retorno com o Elixir | Conclusão e síntese da experiência | Mundo restaurado ou novo equilíbrio; herói retorna transformado; efeitos de suas ações são visíveis |
