
De acordo com o Dicionário de gêneros textuais, a charge é uma “palavra de origem francesa que significa carga, ou seja, algo que exagera traços do caráter de alguém ou de algo para torná-lo burlesco ou ridículo”.
Assim, a charge é um texto híbrido (verbal e não verbal) que pretende satirizar ou criticar alguém ou algum momento do presente. Ou seja, se um desenho que esteja em um jornal na posição editorial que se coloca como charge e não se enquadrar nessa definição pode se classificar como uma piada, em nada pejorativo, pode ser uma piada boa, mas não uma charge.
Mas qual o combustível que motiva uma charge? Fui por anos chargista, no começo em jornal pequeno o Jornal O Expresso de Santa Maria, com a pauta com assuntos relativos a cidade, em um bairro específico, é horrível, às vezes a manchete do jornal era um conflito em uma comunidade, que nem a comunidade absoluta iria ter conhecimento e lá ia eu fazer uma charge de coisas que as pessoas não saberiam do que se tratava, eu adorava quando subia a gasolina, assim todos entenderiam minha charge!

Sonhava em fazer caricaturas de personagens internacionais como um Kissinger ou Richard Nixon, mas nada, e fiz charges assim por pelo menos cinco anos, mas passou, é passado.
Mas o que move, motiva a existência da charge são, infelizmente, as imperfeições, os erros e defeitos das pessoas, em especial dos dirigentes das nossas instituições. Há uns anos escrevi o livro O Boné do Bufão onde falo do desenho de humor, e o humor ri do politicamente incorreto, o que nos motiva o riso é de um ato singelo como uma pessoa escorregar em uma casca de banana, se escafeder de bunda no chão e isto gera o riso, até o ato extremo onde o riso pode ser trágico, uma vez a revista Charlie Hebdo, na França, fizeram charges do profeta Maomé e o mundo islâmico os fizeram pagar com a vida, doze pessoas morreram. Sim, chargista morrem, são presos… mas são chargistas.
E a charge é a síntese, é a linha que define em um desenho o momento.
O jornalismo trabalha em uma linha dramática, a notícia é a quebra do cosmos, ou seja, quando a rotina é alterada, trabalhei durante anos no Diário Catarinense, na beira da BR 101 onde sempre aconteciam mortes, e vejam que coisa terrível a rotina leva a definir o que é notícia: duas mortes na estrada paravam nas páginas policiais, quando um ônibus virava e morriam pelo menos dez, era notícia, o cosmos havia sido quebrado.
Claro que nem tanto ao mar e nem tanto a terra, uma charge não sobrevive de mortes, foi um exemplo da quebra do cosmos. O combustível da charge é quando um político ultrapassa os limites da ética, quando ações governamentais extrapolam suas funções e se corrompem, aí o chargista entra em ação e tem de ser corrosivo ao máximo, em de condenar e denunciar. O seu desenho vai falar mais alto e definitivo que umas três páginas escritas, seu desenho é a comunicação imediata.
Mas vamos lá. A charge obedece uma narrativa e é a síntese de uma estrutura em um único quadro.
Definindo que a narrativa dramática (sim, o drama é a notícia) tem se que:
O Início – é a compreensão de que é notícia
O desenvolvimento – é acompanhar essa notícia
O clímax – foi a resolução da notícia, a condenação do autor ou não, mas pelo menos a denúncia
Fim. A conclusão/charge- a síntese de tudo, a crítica ao ”condenado/denunciado” pelo menos o vetor que vai fazer as pessoas pelo menos rirem do ridicularizado

E ela é temporal, é o momento.
Hoje poucas pessoas conhecem o ex-presidente Fernando Collor, ele era representado com um narigão enorme (bom, realmente era narigudo, não era calúnia), na sequência diária as pessoas tinham essa noção visual em seu inconsciente, nessa certeza fiz uma charge que eu sabia que o leitor iria identificar Collor mesmo com uma bandeira cobrindo seu rosto, pulicar esse desenho hoje não faria sentido nenhum.
Então uma charge é isso, ter o domínio de que o público tenha conhecimento do assunto para podermos sintetizar seus sentimentos de revolta e criticar seus opressores, lavar sua alma.
Uma nobre profissão.


Grande projeto o Boné do Bufão! Estes posts são uma versão atualizada do livro
Realmente Romeu, no livro não deu para detalhar cada uma dos tópicos abordados, agora vou completando com o tempo, quem sabe uma segunda edição 🙂