
Nos últimos anos, as editoras de quadrinhos têm apostado em uma estratégia curiosa: enquanto as tiragens regulares diminuem, o mercado cresce no segmento de edições especiais.
A explicação é simples — os leitores ocasionais migraram para outras mídias, mas os fãs fiéis continuam dispostos a investir em produtos diferenciados.

Capas duras, boxes de colecionador e tiragens limitadas transformam o gibi em objeto de desejo. Não se trata apenas de ler a história, mas de possuir algo único, que se destaca na estante. Esse movimento equilibra a queda das tiragens tradicionais com o aumento da valorização do exemplar especial.
Exemplos não faltam: a coleção da Salvat de personagens Marvel, que popularizou os encadernados de luxo; a linha DC Deluxe da Panini, que reúne sagas clássicas em acabamento premium; e o fenômeno de vendas dos álbuns da Turma da Mônica – Graphic MSP, que chegam em capa dura e frequentemente se esgotam já nas primeiras tiragens.

Em outras palavras, se os quadrinhos estão mais raros nas bancas, eles ganham nova vida nas prateleiras dos colecionadores — menos quantidade, mais exclusividade.
Um paralelo histórico
Curiosamente, esse movimento não é tão novo assim. Nos anos 1970 e 80, acompanhávamos o trabalho de desenhistas como Eugênio Colonnese e Rodolfo Zalla, que fundaram a Editora D-Arte, dedicada a HQs de terror como Calafrio e Mestres do Terror.
As tiragens eram pequenas para os padrões da época — algo entre 5 e 20 mil exemplares por edição — mas encontravam um público fiel, suficiente para manter a editora ativa durante anos. Para comparação: os títulos da Abril, como as revistas da Disney, chegavam facilmente a cem mil exemplares, e a Editora Globo atingia números semelhantes com Mônica e Cebolinha. Só a cidade de São Paulo já tinha público para sustentar tanto as grandes editoras quanto as chamadas “nanicas”.

Ou seja, seja no passado ou hoje, a lógica se repete: quem gosta, valoriza. Antes, editoras independentes sobreviviam com nichos de leitores; agora, as grandes editoras miram diretamente o colecionador com produtos exclusivos. Já as pequenas, espalhadas pelo país, trabalham com tiragens ainda mais reduzidas — muitas vezes em torno de mil exemplares, raramente chegando a cinco mil — e recorrem a plataformas de financiamento coletivo, como o Catarse, para viabilizar suas publicações.
Enquanto isso, os quadrinhos disputam espaço com games, streaming e outras novas mídias que capturam a atenção das gerações mais jovens.
Sobre os desenhistas citados
Eugênio Colonnese (1930–2008)
- Italiano radicado no Brasil, conhecido por quadrinhos de terror e aventura.
- Fundou, junto com Zalla, a Editora D-Arte nos anos 1970.
- Criador de Mirza, a Mulher-Vampiro (1971), um ícone das HQs brasileiras de terror.
- Atuou também como ilustrador e adaptou clássicos da literatura para HQs.
Rodolfo Zalla (1931–2016)
- Argentino que se estabeleceu no Brasil e se tornou um dos grandes nomes dos quadrinhos nacionais.
- Cofundador da D-Arte, publicou Calafrio e Mestres do Terror, populares nas bancas dos anos 70 e 80.
- Artista versátil: produziu HQs históricas, de faroeste, guerra, ficção científica e até histórias institucionais.
- É considerado um mestre por várias gerações de quadrinistas brasileiros, tanto pelo trabalho editorial quanto pela formação de novos talentos.