
O quadrinho nacional Dormindo Entre Cadáveres (2025), de Felipe Parucci (arte) e Luís Moreira Gonçalves (roteiro), publicado pela editora Comix Zone, reconstrói a vivência médica durante a pandemia de Covid-19 na Amazônia, a partir da experiência real de Gonçalves em Rondônia.Gibizilla
No início, cabe lembrar o trabalho de Joe Sacco, autor de obras-reportagem como Palestina, que utilizou a linguagem dos quadrinhos para investigar realidades de guerra e conflito: “O jornalismo em quadrinhos permite ao leitor entender todo o contexto dos acontecimentos”, disse Sacco em entrevista. Guia do Estudante+1
Como Sacco, Dormindo Entre Cadáveres situa-se na interseção entre registro documental e linguagem gráfica, fazendo da história real uma narrativa visual. Diferente das séries de front de guerra retratadas por Sacco, essa HQ brasileira trata do colapso sanitário, das vítimas invisíveis e da memória coletiva de uma pandemia que ainda reverbera.
Enquanto Sacco entrevistou refugiados, percorreu campos e tentou dar voz a quem normalmente era silenciado, Parucci e Gonçalves adaptam o relato médico para as páginas do quadrinho: o luto, a exaustão, o desespero, o horror cotidiano em hospitais de campanha. Gibizilla+1
Essa comparação inicial ajuda a situar Dormindo Entre Cadáveres dentro de uma tradição de HQs-reportagem, destacando a importância desse trabalho no Brasil como registro gráfico de um período traumatizante.
Em 320 páginas em preto e branco, o quadrinho abandona qualquer tentativa de embelezar o horror — e é exatamente aí que reside sua força.
Com um traço livre e expressivo Felipe Parucci traduz o caos, o cansaço e a exaustão do período pandêmico em imagens que parecem se dissolver entre o real e o simbólico. O uso do preto e branco não é apenas uma escolha estética, mas narrativa: acentua a dramaticidade, o contraste entre vida e morte, luz e sombra — um reflexo direto do colapso vivido nos hospitais.



O roteiro de Luís Moreira Gonçalves, escrito a partir de suas próprias memórias como médico, combina relato clínico e introspecção poética, criando uma leitura que se equilibra entre o documento e o testemunho emocional.
Não há heróis, apenas pessoas tentando sobreviver — profissionais de saúde, pacientes, famílias fragmentadas. A HQ funciona como registro histórico e ato de resistência, preservando, em traço e palavra, o que muitos tentaram esquecer.
Dormindo entre Cadáveres não busca consolar, mas lembrar — lembrar que o sofrimento coletivo precisa ser narrado para não se repetir.
O resultado é uma obra que ultrapassa o limite do quadrinho documental: é também crônica social, denúncia e homenagem.
Publicada pela Comix Zone em 2024, Dormindo entre Cadáveres já é considerada uma das obras mais impactantes do quadrinho contemporâneo brasileiro — um documento gráfico sobre a pandemia, mas também sobre a condição humana diante da morte e da memória.
Dormindo entre Cadáveres — Ficha Técnica
Roteiro: Luís Moreira Gonçalves
Arte: Parucci
Editora: Comix Zone
Ano de publicação: 2025
Formato: 19 x 27 cm
Número de páginas: 320
Capa: Cartonada
Impressão: Preto e brancoGênero: Quadrinho documental / relato gráfico
Origem: Brasil
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